terça-feira, 17 de agosto de 2010

IRREVERSÍVEL (Irréversible, França, 2002)


Como o título deste filme sugere, após assisti-lo é impossível de voltar atrás. Este filme fica com você mesmo depois de haver terminado. Seja pelas cenas de violência explícitas e grotescas, seja pelo horror que as desencadeou e que, por fim, fertiliza nossa aceitação, ou ainda pela forma como este título foi filmado, qualquer uma dessas razões, ou todas elas, agrega este filme ao seu pensamento.

O enredo é simples: Um casal vai para um festa com um amigo e depois de um breve desentendimento, a namorada de um deles decide voltar para casa sozinha. No caminho de volta, em um beco escuro, no subsolo, ela é brutalmente estuprada. Ao tomar conhecimento dessa situação e vê-la indo para o hospital, seu namorado, embriagado de raiva e expelindo vingança, segue atrás do responsável desse ato inumano. Esses eventos acontecem durante uma única noite em Paris.


A exploração desse tipo de enredo vingativo é incansável, mesmo assim ele é reiteradamente utilizado em filmes. Entretanto , a maneira como a história foi abordada neste filme faz com que esse tema comum contribua para uma surpreendente obra cinematográfica.

O filme começa do fim e vai progressivamente regredindo até seu início. Esse tipo de técnica já fora utilizada em outro filme, Amnésia, de 2000, no entanto, a utilização de uma câmera portátil e a fotografia deste filme mais recente o diferenciam daquele outro de origem americana.

Sendo filmado através de uma câmera portátil, os movimentos dos atores são captados de forma fluida, exigindo destes um grande preparo. O fato da câmera não estar fixa, mas em constante movimento, contribui, especialmente, para passar apreensão nas cenas de tensão, principalmente naquelas dos primeiros minutos do filme.

Por começar do fim, o filme é inaugurado por uma chocante cena de violência explícita. O conteúdo gráfico dessa cena reclama elogios para a equipe de maquiagem e efeitos gráficos que fez com que o espectador tivesse a impressão de que aquilo estivesse de fato acontecendo. Devo confessar que ainda carrego a imagem dessa cena em minha memória, e considerem que eu raramente fico chocado com algo desse gênero. Entretanto, essa não é a única cena de violência explícita que este filme exibe. Uma outra, a do estupro, carrega não só as vicerações externas como também o desfiguramento psicológico. Nesta cena, que demora cerca de 15 minutos, os elogios vão, em especial, para a atriz Mónica Belucci que desempenha um trabalho excepcional, não só aqui, mas durante todo o filme.


O fato do filme exibir inicialmente seus momentos finais e retroceder paulatinamente aguça a curiosidade do espectador, que procura sempre buscar entendimento dos fatos que lhes foram apresentados. Nesse aspecto em particular, os argumentistas fizeram um excelente trabalho pois, ao mostrar uma cena, é dada a quantidade certa de informações que serão explicadas na cena exatamente posterior, e assim sucessivamente até o final do filme. Outro aspecto relevante à fluidez do filme está no fato do diretor restringir os acontecimentos à uma única noite. Isso ainda contribui para a relevância da cadeia de eventos que vieram a produzir consequências tão devastadoras.

Com essa técnica regressiva de filmar, o espectador vai percebendo como o personagem de Vincent Cassel, um indivíduo violento e com um desejo assassino, é na verdade um homem romântico e alegre, e sua raiva é consequência de atos animalescos desferidos contra aqueles que lhes são amados. Esse contraste não é apenas compreendido, mas também aceitado pelos espectadores que se vêem a partilhar da indignação vivida por este personagem, permitindo que se vejam realizando as mesmas ações tomadas pelo personagem indignado.

Cada cena mostra o comportamento dos personagens que é consequência daquilo que fora vivenciado anteriormente mas isso só nos é mostrado na cena posterior. Com essa forma narrativa, consegue-se vislumbrar primeiramente consequências irreversíveis de decisões que foram tomadas em instantes cronologicamente anteriores.

Cada departamento responsável pela feitura desse filme contribuiu de forma positiva para seu produto final, mas os aplausos devem ser grandemente direcionados para o diretor, Gaspar Noé. Foram suas decisões e sua determinação que trouxeram à tona essa bela peça cinematográfica. Esse filme é um ótimo exemplo da possibilidade de transformação de uma história simples em uma obra merecedora de grandes elogios. Essa proeza fora alcançada pela utilização de uma técnica narrativa diferente, fotografia apropriada e método de filmagem rústico porém adequado ao ambiente a ser passado, sem falar nem subestimar o elenco que, como um todo, permitiu que o filme brilhasse. Não foi preciso adicionar a esses fatores efeitos especiais de última geração nem computação gráfica virtual. Isso mostra que um bom filme para ser realizado não precisa, necessariamente, da utilização desse tipo de tecnologia. No cinema, a maneira como uma história é contada diferencia o filme entre uma obra de arte ou apenas uma adição matemática ao número de títulos lançados. Este filme, na minha opinião, pode ser chamado de arte.

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