segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O IDIOTA (Fiódor Dostoiévski)


Por si só o título deste livro já intriga e desperta curiosidade em quem o lê. Comigo não foi diferente, ao ler  o título deste livro despertaram em mim algumas questões, pois para mim dele surgiam duas possibilidades: a primeira seria a de que o personagem principal do livro era um idiota e que seu comportamento iria ser analisado e contado no livro. A segunda hipótese que eu cogitei era a de que, na verdade, o autor demonstraria que o idiota seríamos nós, os leitores. Acontece que o livro não está longe de nenhuma dessas minhas cogitações. Após ponderar sobre o título vi que o autor do livro era Dostoiévski e esse era o último argumento de que eu precisava para ler o livro.

Ao iniciar a leitura desta obra eu tive outra curiosidade, a de saber que tipo de idiota o autor estava se referindo. Eu não sabia se era um idiota significando um canalha ou um irresponsável, ou ainda se era a enfermidade da idiotice. Dá para ver que eu tinha várias perguntas e estava ansioso para descobrir suas respostas.

Eu devo desde logo adiantar que este livro possui uma história surpreendente e minuciosa, fruto do trabalho de um grande escritor. Diante da grande profundidade e relevância desta obra de Dostoiévski, uma análise completa da mesma merece uma extensa dissertação, e não é o que me proponho a fazer aqui. Vou apenas apontar alguns aspectos para tentar aguçar a curiosidade de vocês. Para isso, posso afirmar que esta é uma obra atemporal que ultrapassa as críticas de época e lugar realizadas nela. Muitas das críticas podem muito bem ter sua relevância transportada para os dias de hoje e continuar a serem aplicadas  a valores sociais que teimam em permanecer.

Nesta história é o personagem principal que é o idiota, ele foi diagnosticado com essa doença e passou sua infância no exterior em busca de melhora. Míchkin, o personagem principal, encontra-se retornando para a Rússia e já nesse percurso de volta se inicia sua saga. Os acontecimentos aparentemente casuais no início da história trazem repercussões para todo o restante dela e ainda demonstra que nada é irrelevante neste livro. Seu envolvimento com variados personagens carrega importância para o desenvolver da história, mas é a relação magnética com a bela e manipuladora Nastácia Filíppovna que resulta em maiores consequências para o ingênuo personagem principal.

Toda a trajetória vivida por este personagem é detalhadamente narrada por Dostoiévski. Através da história contada é possível obter a imagem de como a Rússia estava organizada naquela época e constatar a importância que, por exemplo, a propriedade rural ainda representava, mas isso é apenas o pano de fundo dessa obra. Mais do que a organização social, é possível identificar os valores que a sociedade levava em consideração e o que era estimado pelas pessoas. O autor utiliza essa constatação como uma crítica para a forma de valoração interesseira que existia na época e na qual só as pessoas de posses ou títulos seriam respeitadas e dignas de amizade. A crítica maior desse modo interesseiro de relacionamento é feita pelo fato de os outros personagens considerarem como sendo fruto da condição de idiota do personagem principal o fato de ele ser sensível e valorar as pessoas pelo que elas são em vez daquilo o que elas têm. Na verdade esse personagem sofre de esporádicos ataques epilépticos mas seu comportamento mais humanístico fez diagnosticarem-no como sendo idiota.

Apesar de ler o livro traduzido e não em russo, foi possível identificar vários aspectos da língua russa. Os nomes russos, em particular, representam um desafio à parte. Os sobrenomes dos personagens podem ser encontrados em até três variações diferentes tendo em vista se a personagem for um homem, uma mulher ou uma mulher casada. Essas variações não são exclusivas dos sobrenomes, os primeiros nomes das personagens também apresentam desafios, pois eles também variam conforme o grau de intimidade que se tem entre os personagens. Com todas essas variações é preciso ficar atento à narração e aos diálogos entre os personagens, pois são utilizadas todas essas formas de chamada. Não é raro o leitor pensar que está lendo sobre um novo personagem quando na verdade se trata de um personagem anterior. Essa característica de linguagem é típica do idioma russo e é frequentemente utilizada pelo autor, e, mesmo sendo a obra traduzida, esse aspecto transparece.

A narração de Dostoivévski é fluida e sua capacidade de desenvolver e conectar um grande número de personagens impressiona. Também merece enaltecimento a construção de cada personagem e o fato de cada um deles servir como uma crítica para um aspecto específico da sociedade russa da época. A riqueza dessa obra é raramente igualada por outras e o personagem principal traz uma profundidade dificilmente encontrada na literatura. Com essas características o teor da obra pode apenas ser superficialmente descrito, pois sua abrangência plural reclama uma leitura individual.

Antes de ler este livro eu estava com dúvida sobre se o idiota era o personagem principal. Essa indagação foi logo respondida. Mas a outra hipótese que eu questionava era se o idiota seríamos, na verdade, nós, os leitores. Após ler o livro posso afirmar que, diante do que está descrito na obra, é preferível que  os leitores procurem se assemelhar mais com o idiota presente no livro do que com os outros personagens.  As qualidades que o idiota possui aqui são, na verdade, qualidades positivas, enquanto que os outros personagens estão inevitavelmente conectados a um interesse que apenas visa o benefício próprio.  Por isso, escolhendo se distanciar do idiota deste livro, resta a opção do leitor valorizar aspectos que tornam uma pessoa interesseira, raza, mundana e manipuladora. Sendo assim, o livro mostra que  nessas circunstâncias ser idiota torna-se uma qualidade.


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