Quando falo de Bob Dylan tenho de me concentrar e conter
minhas conclusões emocionais e tentar fazer uma análise crítica e racional dos
discos dele. Mas, mesmo separando sentimentos e usando a razão, é impossível
não ser atropelado pela beleza das letras, pela construção instrumental
simploriamente complexa, pelas temáticas atemporais e reflexivas, pelo rasgar
de sua gaita e pelo som nasal de sua voz, perfeito em suas músicas.
Mesmo sendo fã de Bob Dylan, foi fácil escolher esse disco
para comentar. Na verdade, essa vontade já gritava na minha cabeça faz tempo. O
que impedia de eu dividir essa obra com vocês é o fato de ela ter um valor
íntimo e pessoal pra mim. Força, sensibilidade, conforto, vulnerabilidade,
saudade e dor são emoções que afloram nesse disco. Todos esses sentimentos
foram por mim vividos e magnificados por esse disco. Tive ele de amigo várias
vezes, por isso acho que está na hora de ele virar amigo de vocês também.
Esse disco foi lançado em 1975 e ele é o décimo sexto disco
de Bob Dylan. Dylan já estava reconhecido e valorizado no mundo musical, apesar
das polêmicas e mudanças em sua música. Não existia qualquer dúvida sobre o
talento de Bob Dylan de fazer músicas de qualidade e muito menos sobre a
capacidade dele de compor letras fortes e marcantes. Nessa altura, ele já havia
marcado para sempre o Rock mundial, mudando, com uma única música, a forma de
encarar uma canção e uma composição de Rock. Like A Rolling Stone já tinha 10
anos de idade e foi aí que Bob Dylan lançou Blood On The Tracks.
Entendam que não quero dizer que Bob Dylan fez esse disco em
comemoração ou com alguma reminiscência do Highway 61 Revisited ou de Like A
Rolling Stone, de forma alguma. Bob Dylan odeia se repetir. Isso é explícito
nos discos ao vivo dele que sempre fazem arranjos diferentes para suas músicas.
Blood On The Tracks veio como mais um disco desse artista, mas, como na enorme
maioria de discos dele, não seria um disco qualquer.
As músicas que estão nesse disco merecem destaque individual
e conjunto. Cada uma delas é tão boa que o disco parece uma coletânea. Com isso
eu quero dizer que cada uma consegue se sustentar sozinha, com temática, música
e letra tão boas que ao escutar nem que seja uma delas você é atordoado com a
vontade de escutar ela de novo.
Mesmo com esse destaque isolado de cada canção, Bob Dylan
conseguiu colocar músicas de tanta força em sequência uma da outra. Essa
sequência não quebrou nem diminuiu o impacto das músicas, pelo contrário.
Ouvindo ao disco, você começa com a narração de Tangled Up In Blue, seguido da
dura Simple Twist Of Fate, e aí despenca na sofrida You’re A Big Girl Now. A
partir daí você já está vivendo um caleidoscópio emotivo e conclui que esse
disco está indo para um patamar diferenciado.
Bob Dylan, em suas letras, conta histórias palpáveis,
visuais e realistas, porém embrulha essas histórias com música e poesia,
fazendo-as inesquecíveis. As críticas sociais estão sempre presentes, e elas
não são sutis, mas não por falta de talento, é o oposto, o talento de Bob Dylan
é tão grande que ele expõe o social com histórias vividas e vistas em nosso
cotidiano.
Eu podia ficar dissecando cada canção desse disco e não iria
ser cansativo, mas quero deixar vocês descobrirem como esse disco é especial.
Quando escutei esse disco, fiquei atordoado. Descobri uma
canção que, ela também, tinha angústia e lamento dentro de si. Essa canção
nunca deixa de ser especial, pois essa angústia e lamento vão e voltam pra mim.
Esse disco lastima e, como todos nós, lembra de tempos ruins querendo que eles
sejam bons. Mas é aí que ele se torna meu amigo, pois, dividindo comigo
melancolia e pranto, ele me mostra, de uma forma peculiar, que podemos usar
essa sinergia e construir um abrigo para a tempestade, e aí algo que era só arte, passa a ser vida também.
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