Aqui neste blog eu tento chamar a atenção para obras de cinema, música e literatura que possuem valor artístico, mas que por serem um tanto exóticas ou afastadas dos holofotes não recebem tanta atenção. Com esse propósito, eu estou me lançando um desafio de dupla responsabilidade: a de despertar o interesse nesse crescente ramo das novelas gráficas, e a de atiçar a curiosidade para esta brilhante obra que é Asterios Polyp.
Primeiramente eu devo esclarecer alguns aspectos sobre o mundo dos quadrinhos e das novelas gráficas. Com o que se conhecem dos quadrinhos devo logo dizer que eles não se resumem a super-heróis ou histórias infantis, pelo contrário, há uma enormidade de quadrinhos que têm o meio adulto como seu público-alvo. Esses quadrinhos feitos para as pessoas que já atingiram a maturidade não se restringem à histórias pornográficas, existe um crescente número obras que unem a literatura com as artes gráficas, e isso conservando a qualidade de ambas vertentes. Dessa aliança surgiram as novelas gráficas, e muitas dessas obras possuem uma qualidade que ultrapassa a conceituação rápida e cômoda de serem histórias ilustradas. Elas são muito mais que isso. As novelas gráficas representam uma nova forma de contar histórias que explora com primazia os métodos literários e as formas visuais do desenho. Dessa simbiose surgem imagens que ambas as artes sozinhas não conseguiriam externar.
Pronto! Com essa breve introdução pelo menos vocês já não precisam temer de esta obra se tratar de uma história infantil. É exatamente o oposto. O nível de sensibilidade e os detalhes da história exigem que o leitor interprete tanto o texto quanto as figuras e a forma como eles estão unidos. Tudo nesta obra foi trabalhado com detalhismo e nada foi deixado ao acaso.
A história é de um arquiteto de sucesso acadêmico, chamado Asterios Polyp, que atingiu a meia idade e está vivendo uma crise existencial, questionando, assim, todo seu modo de vida. Insatisfeito com suas escolhas passadas e seus resultados, Asterios, ao ter seu apartamento incendiado vai iniciar uma vida completamente nova. Nessa empreitada rebelde, a auto-reflexão de seus atos o faz evocar constantemente o passado que está sempre sendo visualizado.
David Mazzucchelli é o autor desta obra e ele já é bastante conhecido no meio dos quadrinhos, havendo trabalhado inclusive com Frank Miller e Paul Auster. No entanto, esta é a primeira obra que é exclusivamente sua, ou seja, foi ele quem escreveu o roteiro e elaborou os desenhos. É possível verificar que Mazzucchelli tomou bastante cuidado para não estragar esta sua obra, os gráficos não só ilustram as cenas, mas também externam as emoções dos personagens, e o roteiro envolve o leitor de forma que ele revela mais do que apenas está escrito. A combinação desses fatores revela uma interpretação composta e que não se esgota com apenas uma leitura.
Ao ler os comentários acima vocês podem pensar que se trata de uma obra que abusa da paleta de cores e é repleta de efeitos visuais e ângulos inusitados por se utilizar de desenhos, mas o que se observa em Asterios Polyp é exatamente o contrário. Poucas são as cores utilizadas e os desenhos são tão simples que chegam a ser rudimentares. Mazzucchelli ainda teve a audácia de fazer todo esse livro com desenhos em duas dimensões apenas, ou seja, não há o efeito de profundidade 3D e todas as figuras estão em um plano reto. Ao lerem isso não se afastem dessa obra, porque todas essas escolhas não fizeram o trabalho ser mais fácil, pelo contrário, com tudo isso surgem ainda mais desafios para o autor. Mesmo assim, ao ler a história, é possível constatar que a forma como tudo foi apresentado e a união dessa técnica de desenho com o roteiro, se fosse de outra maneira, não causaria o mesmo efeito. Por isso, pode-se afirmar que a opção de apresentar esta obra da maneira como foi escolhida não foi uma mera coincidência, mas sim uma consciente e cuidadosa escolha de alguém que trabalhou todo seu conteúdo com a sensibilidade que transpõe das páginas.
Eu apontei alguns aspectos que podem servir para aguçar a curiosidade de vocês e assim conhecer esta novela gráfica aclamada mundialmente. No entanto, eu não aprofundei os comentários sobre a história em si, mas fiz isso propositalmente para que vocês possam conferir a riqueza também presente nela. Sem dúvida Asterios Polyp é uma obra que harmoniza um roteiro sensível e repleto de conteúdo junto com desenhos que traduzem os sentimentos que estão escritos, externando esses sentimentos e lhes dando forma. Com toda essa qualidade unitária, é possível até dizer que esta obra foi escrita junta, unida, e através dessa unidade recebemos o presente de uma obra pluralmente bela.
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